terça-feira, agosto 12, 2003

Descontrolo em Sesimbra

Adoro a minha terra, odeio no que a transformaram. A minha terra é Sesimbra. Nascido e criado em Sesimbra.
A minha "especialidade" e a minha paixão são a Geologia Costeira. Entre as áreas de estudo sempre me agradou o estudo do equilíbrio de arribas.
Enquanto estagiava na Câmara Municipal dei-me conta de um projecto, datado da década de 60, que tinha como objectivo construir um enorme conjunto de prédios, em torno da falésia na zona mais a Este da vila. Para quem conhece a zona, trata-se de uma arriba viva, com marcas de erosão avançada, e em que a posição das camadas favorece a ocorrência de deslizamentos.



Arribas instáveis a Este da baía, marcas de deslizamentos

Esse projecto, foi na altura embargado, e nunca se voltou a construir nada naquela zona, apesar da carga colocada no topo da vertente ser, já de si, considerável. Qual não é o meu espanto quando, em meados de 2000 começo a ver avançar um projecto quase decalcado do tal dos anos 60, nessa mesma zona. Na altura comentei com colegas de profissão, familiares e amigos, que estavam "a brincar" com o desconhecido. Sim, porque estudos geológico-geotécnicos, como habitualmente...nem vê-los. Pouco tempo após começarem as obras, a estrada que passa por perto começou a aparecer com abatimentos enormes, estando o seu piso completamente destruído. As chuvas dos últimos dois Invernos encarregaram-se de trazer grande parte do material arenoso, agora sujeito a uma carga ainda maior, pela vertente abaixo. Em Fevereiro, se não me falha a memória, num prédio perto, em construção, e enquanto se procedia a trabalhos de betonagem, um pilar cedeu, e aos 3 feridos do acidente, por 15 minutos (hora de almoço), salvaram-se 10 a 15 homens que, minutos antes trabalhavam naquela zona. O "inquérito" culpou as peças de metal que sustentavam a estrutura. Eu fui ao local e sei bem o que aconteceu. O chão debaixo do pilar cedeu! A obra continua, tapa-se a última réstia da vertente natural que a vila, situada num dos vales litorais mais bonitos do país, arrisca-se a vida de trabalhadores, transeuntes, turistas e futuros moradores. Do outro lado da vila, uma enorme urbanização construída em cima de calcários margosos com gesso, parte da estrutura diapírica de Sesimbra. Gesso e água...e casas de dois andares em cima...é preciso dizer mais?
Depois, quando acontecer uma tragédia, quem foi o responsável pelos alvarás destas construções (em zonas proíbidas pelo PDM local) já estará fora da autarquia. E, nessa altura, o que se fará? Peditórios para ajudar a família das vítimas? A culpa em Portugal morre solteira...sempre! Entretanto o Presidente da Câmara tenta lançar pó nos olhos dos cidadãos/eleitores com promessas de mega-parques de estacionamento, teleféricos e outros que tais...palavras para quê?